Depois de milhões de trabalhadores terem sido forçados a trabalhar remotamente, nada voltará a ser como antes. Se a tecnologia já tinha dado passos robustos na democratização do trabalho a partir de casa, a pandemia provocada pela COVID-19 foi, sem dúvida, uma das maiores responsáveis pela mudança que estamos assistindo no mundo do trabalho. Os Business Services não são uma exceção e, tal como muitos outros setores da economia, já haviam iniciado a jornada de transformação digital que lhes permiti transitar a maior parte dos seus trabalhadores para trabalho à distância. De fato, já antes da pandemia, uma pesquisa demostrou que a maior parte dos trabalhadores em países desenvolvidos conseguiria trabalhar de forma eficaz a partir de casa e que, aproximadamente, 80% deles gostaria de o fazer com alguma frequência.
Sem dúvida que o trabalho remoto traz várias vantagens para os trabalhadores e para a empresa. Para o colaborador, permite ter liberdade para viver em qualquer parte do mundo, flexibilidade para gerir o seu horário de trabalho e maior proximidade da família. Estes benefícios traduzem-se em maior qualidade de vida e maior facilidade no equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional. Por outro lado, para as organizações, permite reduzir os custos com edifícios (uma vez que reduz a ocupação dos escritórios), utilizar uma pool global de talento e beneficiar dos aumentos de produtividade dos colaboradores por terem um melhor work-life balance.
O panorama poderia parecer animador, mas, no final de alguns meses, até os mais otimistas se convenceram dos inconvenientes do trabalho 100% remoto. Dificuldades em estabelecer uma comunicação transparente, em compartilhar o conhecimento, em avaliar a performance ou até preocupações com a saúde mental das equipes, passaram a fazer parte do dia-a-dia dos líderes.
Estudos na área de psicologia cognitiva demonstram que a cognição humana não depende apenas da forma como o cérebro humano processa sinais, mas também do ambiente em que esses sinais são recebidos. Esta é a razão pela qual, devido à limitada linguagem corporal disponível em reuniões virtuais, facilmente assistimos a falta de empatia, dificuldade em estabelecer uma ligação próxima com o outro e falhas de comunicação/interpretação.
No entanto, não será a tecnologia capaz de manter a conexão humana à distância? De acordo com o demonstrado por Tom Allen (psicólogo organizacional do MIT), basta uma distância de 50 metros entre duas pessoas para que a qualidade da comunicação (física ou remota) decresça. Sem dúvida que a tecnologia vem ajudar ao providenciar ferramentas e plataformas tecnológicas que permitam a comunicação entre os dois lados do globo, mas a verdade é que o subconsciente cognitivo dos intervenientes desempenha um papel preponderante na qualidade e disponibilidade para essa comunicação.
Estas são as explicações que comprovam as dificuldades em estabelecer uma comunicação clara e empática reportada por equipes num modelo de trabalho 100% remoto. Uma das consequências mais relevantes deste desgaste é a redução da criatividade. Torna-se cada vez mais difícil a realização de exercícios criativos e de brainstorming.
Outro inconveniente deste modelo é o desaparecimento dos momentos informais de comunicação e divisão de informação. Em consequência disso, estima-se que o número de reuniões tenha aumentado aproximadamente 150%. De fato, de acordo com uma investigação realizada pela Microsoft aos seus funcionários, o número de reuniões necessárias para resolver um problema aumentou substancialmente. E, ao mesmo tempo, a duração dessas reuniões reduziu. Esta tendência é explicada pelo fato de que, com à distância, não é possível resolver pequenos problemas com encontros informais, por exemplo durante a pausa do café ou almoço. Por este motivo, todas as interações são transformadas em momentos formais nos quais se realiza uma transação de informação consciente.
A escassez de momentos de comunicação informal afeta vigorosamente os membros mais jovens das equipes, tendo assim maior dificuldade em apreender a cultura e princípios da organização. A maior parte do conhecimento adquirido no exercício de funções vem, não só do que é explicitamente ensinado, mas também das observações que o novo membro da equipe faz da restante organização. A limitação destas interações traz consequências graves ao processo de onboarding e aculturação das equipes.
No modelo fully-remote, a divisão de conhecimento, a socialização e o mentoring também são afetados. O CEO da JP Morgan Chase referiu numa conferência que após 6 meses de trabalho remoto, os colaboradores mais recentes começaram a perder o benefício de conviverem com as restantes gerações. Apesar do treino técnico que a empresa manteve, deixou de haver acesso a informações informais e intangíveis que ajudam, por exemplo, um gestor de portfólio a escolher uma ação em vez de outra
A avaliação da performance de equipes em trabalho à distância é outro tema que gera preocupação para os líderes. A forma mais objetiva de o fazer é considerar os outputs ou entregáveis, mas desta forma não se avaliam as soft-skills tão relevantes no atual contexto de trabalho.
Se, de acordo com a Harvard Business Review, hoje em dia, cerca de 40% dos colaboradores se sentem exaustos com o modelo remoto, e simultaneamente 40% dos trabalhadores desejam um futuro que preveja flexibilidade no horário e local de trabalho, é então urgente redefinir os formatos de trabalho. Com a possibilidade de regresso aos escritórios a tornar-se cada vez mais próxima, é urgente desvendar a melhor forma de capturar os benefícios do trabalho remoto sem as desvantagens do modelo virtual e integrá-lo na perfeição com momentos presenciais.
Para desenhar um novo modelo é necessário mudar alguns paradigmas na forma como se lidera, como se organizam as equipes e como se encara o trabalho. É indispensável não abdicar dos escritórios, mas sim torná-los espaços híbridos de trabalho, que permitam alternar, sem esforço, entre o trabalho presencial no escritório e o trabalho à distância a partir de casa. De fato, a maior parte das empresas tecnológicas, apesar de terem sido as pioneiras nas operações 100% digitais, mantêm escritórios físicos. Precisamente porque estudos comprovam que interações pessoais frequentes geram maior compromisso, criatividade e cooperação entre as equipes.
Assim sendo, é essencial desenhar escritórios híbridos com os seguintes princípios:
- Fomentar as interações informais, através da criação de um espaço que potencializa a cultura, o aprendizagem, a criatividade e a colaboração.
- Praticar o hotelling, isto é, a disposição variável dos lugares de cada colaborador. Para além de permitir reduzir o espaço total ocupado, fomenta a comunicação e a ligação entre áreas/equipes que de outra forma não comunicariam.Em 2020, aquando da renovação da política de trabalho à distância, a Microsoft implementou esta técnica que tem tido resultados promissores.
- Potenciar a utilização da tecnologia para recolher dados que permitem otimizar a organização do layout do escritório, por exemplo a partir das movimentações, interações e zonas de repouso dos colaboradores
Simultaneamente, o trabalho remoto e flexível fará parte do futuro das organizações, devendo por isso ser aplicadas estratégias para ser eficiente remotamente, nomeadamente:
- Tirar partido da evolução digital para facilitar a interação e comunicação entre colaboradores à distância e colaboradores no escritório.
- Utilizar estratégias de planejamento com base em objetivos smart e comunicação frequente e estruturada entre toda a equipe.
- Potenciar a flexibilidade de horários com a possibilidade de aumentar o nível dos serviços prestados. Por exemplo, em uma equipe de Customer Service, o fato dos colaboradores preferirem realizar horários diferentes, significa que a equipe é capaz de providenciar serviços com um maior horário de abertura.
Por maior que seja o avanço tecnológico e infraestruturas de suporte, não há nada que substitua o contato pessoal no sucesso da colaboração entre equipes. Nos Business Services, as novas tecnologias vieram simplificar e automatizar a maior parte das tarefas de baixo valor acrescentado e, por isso, é necessário, cada vez mais, estimular o espírito criativo dos colaboradores. Nesse sentido é necessário alavancar as experiências com contato humano que permitam esclarecer regras, alinhar expectativas e estabelecer confiança. Em um momento em que o trabalho remoto é disseminado indiscriminadamente, os líderes dos Business Services têm de enfrentar este desafio que exige uma verdadeira transformação organizacional.